terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Textos para o 3º ano ( Relações afetivas)

Me perdoe a pressa

É a alma dos nossos negócios

(Paulinho da Viola – Sinal Fechado)

Em Amor líquido (2004), Zygmunt Bauman lança um olhar crítico sobre as dinâmicas dos relacionamentos íntimos nas sociedades contemporâneas, enfatizando o caráter volátil e inconsistente que sua busca assume em função do imediatismo, em contraposição a ideais mais tradicionais do sentimento que exaltariam um processo mais longo de construção do relacionamento, de conhecimento e durabilidade:

E assim é numa sociedade consumista como a nossa, que favorece o

produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação

instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas

testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A

promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas

que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a

“experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que

fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem

desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.

(BAUMAN, 2004, p. 22)

Entre angústias e contradições que o autor aponta, algo que se destaca é a frouxidão dos laços afetivos, com o desejo de um relacionamento durável e, ao mesmo Das muitas tendências, inclinações e propensões naturais dos seres humanos, o desejo sexual foi e continua sendo a mais óbvia, indubitável e incontestavelmente social. Ele se estende na direção de outro ser humano, exige sua presença e se esforça para transformá-lo em união. Ele anseia por convívio. Torna qualquer ser humano - ainda que realizado e, sob todos os outros aspectos, auto-suficiente - incompleto e insatisfeito, a menos que esteja unido a um outro (BAUMAN, 2004, p.55).

O consumismo aparece aí como um espectro em um mundo em que as relações são cada vez menos estáticas e a imagem da liquidez como metáfora dessa nova configuração das coisas parece cada vez mais pertinente. Nesse sentido, pode-se também observar como se manifesta essa sociedade do consumo, como pondera Bauman em Vida Líquida (2002), em que para além de meramente ser a soma de todos os consumidores, caracteriza um grupo que passa até a encarar uns aos outros como produtos a serem consumidos. Essa dinâmica da síndrome do consumo (...) se relaciona à descartabilidade das relações, das pessoas, das informações e das coisas em geral, assim como das pessoas, o que nos remete ao conceito da vida moderno-líquida (p.111).

Assim, observa-se essa expressão de descartabilidade do indivíduo e do Outro nas relações afetivas, num jogo imediato e constante, que não admite procrastinações e a satisfação do agora é a regra, como reflete Bauman (2004):

Guiada pelo impulso..., a parceria segue o padrão do shopping e não exige mais que as habilidades de um consumidor médio, moderadamente experiente. Tal como outros bens de consumo, ela deve ser consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação prolongada) e usada uma só vez. É, antes de mais nada, eminentemente descartável (p. 27).

(A fuga do sofrimento é compreensível diante das intempéries dos relacionamentos humanos, já que “o sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro” (FREUD, 1972), como noz diz Sigmund Freud em “O mal-estar na civilização”.) ?

Temos então um caminho que se bifurca e nos deixa de antemão sem saída. De um lado, uma geração fadada a ser esmagada pela tecnologia, que distorce o alcance de uma alteridade real, relegando o toque, o afeto, o desejo. Por outro, a insatisfação no campo real quando o encontro acontece, aliada a conflitos ontológicos, aos abismos existenciais que separam violentamente as pessoas, num tempo em que todos estão inevitavelmente e profundamente sozinhos em um estado mútuo de incompreensão. Retiro novamente do texto de Bauman um fragmento que instiga tal reflexão:

União - porque é exatamente o que homens e mulheres procuram ardentemente em seu desespero para escapar da solidão que já sofrem ou temem por vir. Ilusão - porque a união alcançada no breve instante do clímax orgástico deixa os estranhos tão distantes um do outro como estavam antes, de modo que eles sentem seu estranhamento de maneira ainda mais acentuada. Nesse papel, o orgasmo sexual assume uma função que o torna não muito diferente do alcoolismo e do vício em drogas. Tal como estes, ele é intenso - mas transitório e periódico (BAUMAN, 2004, p.62).

É reconhecido o caráter inalcançável (e também inevitável) do ter e pertencer a um Outro-alguém, porém surge nesse discurso a imagem da esperança, ainda que tudo se desfaça, ainda que a relação entre Eros e Tanatos seja sempre concomitante, como é expresso nesse extenso mas revelador trecho de Amor Líquido:

Eros é “uma relação com a alteridade, com o mistério, ou seja, com o

futuro, com o que está ausente do mundo que contem tudo o que é...”.”O

pathos do amor consiste na intransponível dualidade dos seres.”

Tentativas de superar essa dualidade, de abrandar o obstinado e domar

o turbulento, de tornar prognosticável o incognoscível e de acorrentar o

nômade – tudo isso soa como um dobre de finados para o amor. Eros

não quer sobreviver à dualidade. Quando se trata de amor, posse, poder,

fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Nisso reside a assombrosa fragilidade do amor, lado a lado, com sua

maldita recusa em suportar com leveza a vulnerabilidade. Todo amor

empenha-se em subjugar, mas quando triunfa encontra a derradeira

derrota. (…) Eros é possuído pelo fantasma de Tanatos, que nenhum

encantamento mágico é capaz de exorcizar. A questão não é a

precocidade de Eros, e não há instrução ou expedientes autodidáticos

que possam libertá-lo de sua mórbida – suicida – inclinação (BAUMAN)

Na construção simbólica dessa relação de vida/morte, criação/destruição, coerência/contradição, se manifesta a tendência deste amor de auto aniquilação, a qual não impede que ele se dê no plano das possibilidades positivas, porém obriga o sujeito e desfazer-se de si, e abrir mão de suas defesas. O amor pode ser, e frequentemente é, tão atemorizante quando a morte. Essa deficiência na segurança de si, no sentido em que Freud (1930) afirma que o amor é o estado de maior fragilidade do indivíduo, junto das feridas e ressentimentos da vida compartilhada(...).

Mesmo que ainda soem antiquadas as referências ao casamento e à fidelidade, existe uma busca que se estende para o Outro, uma necessidade de união que talvez não necessite de nomes, conceitos ou categorias, não mais submetido a paradigmas modeladores. Mesmo que o “Verdadeiro Amor”, (...), seja proferido de modo cáustico pela crença em seu caráter ilusório, ele ainda pode ser desmistificado por cada um de nós. “Fica óbvio que o indivíduo não é o reflexo fiel das lógicas hiperbólicas midiático-mercantis; ele não é o ‘escravo’ da ordem social que exige eficiência, tanto quanto não é o produto mecânico da publicidade. Outras motivações, outros ideais (relacionais, intimistas, amorosos, éticos), não param de orientar o hiperindivíduo” (LIPOVETSKY, 2004, p.82). É possível pensar no Afeto como norteador das intersubjetividades, pois estamos na urgência de resgatar a compreensão do humanismo e da alteridade com um novo viés de entendimento e ação. No âmbito das intersubjetividades, o Afeto é imanente ao nosso desempenho como sujeitos pessoais, além do que poderíamos suspeitar.

Talvez o homem esteja imerso em um estado de complexidade intransponível, cada um a ocultar o seu infinito ou seu abismo de dores. Não obstante, menos do que buscar devassar os meandros intrincados da alma humana, existe um esforço de compreensão inerente ao exercício de alteridade, pois inevitavelmente vivemos pelo Outro, no anseio de oferecer-lhe vínculos afetivos que possam perdurar. Talvez o Afeto se faça sentir por vias menos idealizadas - e, por isso mesmo, menos passíveis de frustração -, como algo que possa ser efetivamente vivido e compreendido, por mais que esteja à mercê de sobressaltos e zonas emocionais de turbulência. “Eu quero a sorte de um amor tranqüilo/ com sabor de fruta mordida” (Todo amor que houver nessa vida, Cazuza/Frejat). O sabor do fruto já degustado, sem dissimulações sentimentais, confirma o estado mútuo de entendimento e compreensão. Que sejamos rebeldes ao evitar o fluxo que nos encaminha para o estado de letargia e imobilidade dos desejos; que estejamos firmes em nossa gana pelo Afeto, pela certeza de que o mundo cada vez mais desaba pela falta dele. De qualquer modo, é com o Outro e pelo Outro que desenvolvemos plenamente o Afeto, mesmo que seja um abismo, mesmo que seja mistificação, mesmo que seja a única rota de fuga ou salvação.

http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/5_Edicao/o_amor_e_sua_fome_igor_dos_santos_alves.pdf

http://www.ucm.es/info/especulo/numero34/ddanoite.html

http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/baleianarede/article/viewFile/1444/1269

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

CARNEIRO LEÃO, Emannuel. A crise da ética hoje. In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 146:5/15, jul.-set., 2001.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977. 24 v.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução: Mário Vilela. São Paulo: Barcarola, 2004


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