terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Textos para o 2º ano (Marx)

Eu, etiqueta (Carlos Drummond de Andrade)


Em minha calça está grudado um nome

que não é meu de batismo ou de cartório,

um nome... estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca de cigarro

que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produtos

que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente,

meu corpo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete,

meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos,

são mensagens,

letras falantes,

gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincidência,

costume, hábito, premência,

indispensabilidade,

e fazem de mim homem-anúncio itinerante,

escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É doce estar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim-mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio,

ora vulgar ora bizarro,

em língua nacional ou em qualquer língua

(qualquer, principalmente)

E nisto me comprazo, tiro glória

de minha anulação.

Não sou – vê lá – anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

para anunciar, para vender

em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência

tão vida, independente,

que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam,

e cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa

resumia uma estética?

Hoje sou costurado, sou tecido,

sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa,

da vitrina me tiram, recolocam,

objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.


Karl Marx (1818-1883) – Trecho extraído do Prefácio da obra Contribuição à Crítica da Economia Política:

“O primeiro trabalho que empreendi para esclarecer as dúvidas que me assaltavam foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito, de Hegel [...] Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela designação de ‘sociedade civil’; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política. [...] A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material – que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa – das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às suas últimas consequências. Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. Em um caráter amplo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver esta contradição. Com esta organização social termina, assim, a Pré-História da sociedade humana.”

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