quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Textos para estudo ( Positivismo)

POSITIVISMO

AUGUSTE COMTE (1798-1857)

Vida e obras – Augusto Comte nasceu em Montpellier (França), numa família pequeno burguesa, muito católica e monarquista. Estudou na Escola politécnica de Paris, demonstrando grande talento para a matemática. Entre 1818 e 1824, foi aluno e secretário particular de Saint Simon, cuja influência se fez ressentir em seu sistema. Convencido de que a religião deve ser superada para a instauração de uma nova sociedade, centrada exclusivamente no saber científico, afastou-se de Saint Simon. Em 1825, casou-se e, a seguir, deu início ao famoso curso de filosofia positiva. Logo depois, entrou em crise de depressão e crise nervosa. Em 1829, retomou o curso que lhe granjeou fama e muitos discípulos. Em 1830, publicou o primeiro volume de sua obra principal Curso de Filosofia Positiva. Os cinco volumes posteriores foram publicados ao longo da década de 30. Essa fase do pensamento comtiano é conhecida como fase científica. Em 1844, ano em que se separou definitivamente de sua esposa e se apaixonou por Clotilde de Vaux, teve início a fase mística ou religiosa. Dois anos depois, Clotilde faleceu e Comte transformou-a no símbolo da nova humanidade e sacerdotisa da religião positiva. As obras principais desta fase são: Discurso sobre o espírito positivo (1844); Discurso sobre o conjunto do positivismo (1848); Catecismo positivista (1852); Sistema de política positiva 1851-54); Apelo aos conservadores (1855) e Sistema de lógica positiva (1855), primeiro volume de um projeto (A síntese subjetiva) que não concluiu.

Papel da Filosofia

Herdeiro do Iluminismo, reagindo ao criticismo kantiano, ao idealismo de Hegel e ao ideário socialista, o positivismo representou o apogeu da aliança entre filosofia e a ciência.

No entanto, ao se falar de positivismo como vertente filosófica, é preciso estar atento a diversos aspectos que tornaram um movimento sui generis no contexto da história da filosofia. O motivo mais importante desta peculiaridade talvez seja o de retirar a filosofia o seu aspecto crítico. A reação contra a filosofia kantiana reside sobretudo na aversão de Comte à função crítica da filosofia. Ele julgava ser insensata a idéia de a razão avaliar a si mesma, investigando os limites de seus próprios recursos, como fez Kant. No dizer de Jacques Maritain “Comte foi o primeiro desses filósofos – cuja espécie se tornou corrente – que filosofam com tanto mais arrogância quanto mais expulsam a filosofia dos seus próprios domínios” (Maritain, J. A filosofia moral, p. 291).

Se a filosofia deve ser acrítica, qual seria, então, o seu papel? Segundo o positivismo, a filosofia não tem objetivo próprio, não possui domínios delimitados; ela é uma espécie de guardiã das ciências, tendo como tarefa organizar suas conquistas e mediar os resultados de suas aplicações práticas ao meio social. Em Comte, a filosofia é uma espécie de “porteira e guarda-mor do Museu da Ciência” (Maritain, J. id. p. 291).

Esta visão da filosofia é conseqüência natural de um sistema que recusa a validade da metafísica. Sem metafísica, torna-se difícil atribuir a razão a capacidade de discutir os limites do conhecimento humano (exercício da crítica) ou, é óbvio, fazer questionamentos sobre o sentido último das coisas.

O próprio Comte se considerava mais sociólogo do que filósofo. O sociólogo, segundo ele, é também filósofo, na medida em que possui uma visão de conjunto do progresso da humanidade, classificando as ciências e orientando o seu avanço no sentido das necessidades da Humanidade.

Por tudo isso, muitos historiadores costumam se referir ao positivismo mais como um “estado de espírito” do que, propriamente, como uma vertente de pensamento filosófico. Tal estado de espírito se caracteriza pela confiança inabalável no progresso irreversível da humanidade e nos benefícios incontáveis da ciência.

A Teoria dos Três Estados

A tese central do positivismo comtiano é o do progresso universal. O progresso do qual tanto fala, não é só o progresso decorrente da evolução no campo biológico. É uma lei que envolve também a esfera humana. No entanto, diversamente do que ocorre no âmbito biológico, o progresso humano depende de um esforço do qual devem participar sociedades inteiras e a humanidade como um todo. Além disso é uma conquista a ser atingida num contexto totalmente natural, sem nenhum tipo de Providência ou Espírito Absoluto se realizando na história. Por isso, é uma conquista que resulta do dramático sofrimento humano, ao longo de lutas seculares. É nesta luta que as sociedades mais progressistas acabam por se afirmar, pois, também aí, vale a lei da seleção natural.

Comte teve a intuição – da qual se vangloriava – de que a humanidade passa por três etapas ou estados. Estes estados são incompatíveis entre si, devendo, portanto, suplantar-se um ao outro. Segundo afirma no Curso de filosofia positiva, a cada estado corresponde um tipo de mentalidade e de conhecimento. Os três estados são: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato e estado positivo ou científico.

O estado teológico é marcado pela incapacidade do homem de conseguir explicações científicas para os fenômenos; o espírito humano trata-os como misteriosos e, por isso, procura-lhes uma explicação transcendente, nas divindades ou em forças ocultas de qualquer espécie. Neste estado, a imaginação se sobrepõe a razão, inventando um ser Absoluto, do qual retira explicações para todas as coisas e de quem espera soluções dos problemas. Comte também se referia a esse estado como o da infância da humanidade. O cristianismo representou o seu auge, conquanto sintetizou as diversas divindades numa única, comandando seus seguidores por meio de decretos (dogmas).

O estado metafísico resultou do aperfeiçoamento do primeiro. Neste estado as divindades foram sendo substituídas por entidades ou conceitos abstratos, como os de substancia, essência, alam, etc., que fogem a qualquer verificação experimental. Ainda que sustentada por uma lógica mais avançada, a imaginação continuou predominando sobre a razão. No entanto, a explicação dada aos fenômenos tendeu a imanência, ou seja, aos poucos foi se afastando de Deus. O panteísmo inerente ao idealismo hegeliano representou o seu apogeu. Foi importante para tornar possível a superação definitiva do estado teológico. Por privilegiar a abstração o estado metafísico corresponde à juventude da humanidade.

O estado positivo revela a maturidade da humanidade por vários motivos. Primeiro, porque submete a imaginação à verdadeira observação que, de acordo com as necessidades efetivas da humanidade, se atém rigorosamente aos fatos. Também porque o espírito humano não se preocupa mais com as explicações das causas primeiras e última de todas as coisas, dedicando-se invariavelmente àquelas questões para as quais as respostas são possíveis. E, ainda, por reconhecer que o único conhecimento incontestável é o das leis naturais, válidas em qualquer lugar. Diferente dos dogmas religiosos ou das abstrações, que sempre variaram de momento para momento ou de povo para povo.

O absoluto não importa mais. Somente o que é relativo ao mundo natural faz parte dos interesses do homem revestido do espírito positivo: “em uma palavra, a Humanidade substitui definitivamente a Deus, sem esquecer jamais os seus serviços” (Comte, Catecismo positivismo, p. 302).

Alguns conceitos positivistas

O primeiro conceito é o de positivo. Para o positivismo, positivo significa o certo, em oposição ao dúbio; ao preciso, em oposição ao vago; o real, em oposição ao abstrato; o útil, em oposição ao sem aplicação; o relativo, em oposição ao absoluto. Neste conceito, esta implícita a idéia de que nunca se deve considerar nada como dogma definitivo, a não ser as leis invariáveis da natureza: a verdade é uma conquista gradual da humanidade. Observa-se aí o casamento do positivismo com o paradigma newtoniano. Também está presente a idéia de que o conhecimento deve estar voltado para a sua aplicação prática, visando ao bem da humanidade. por meio do método positivo, que acessa o real, assegura-se a manipulação do real. Daí um dos mais famosos lemas positivistas: “Conhecer para prever; prever para prover”.

Um outro conceito, ainda, é o de amor a humanidade. Este conceito foi desenvolvido por Comte, sobretudo em sua fase mística (1844 em diante). A humanidade é o Grande Ser, o pólo centralizador de toda atividade individual e o principio condutor de toda a história e de toda a sociedade. O amor a ela é a exigência fundamental da moral positiva. Mais que um sentimento genérico, o amor se manifesta pelo afeto ao seio da Família, pelo respeito à Pátria e pela observação dos ritos da Religião Positiva. Os seus núcleos correspondentes são a mulher (família); os governantes (pátria) e os sacerdotes (religião). Os sentimentos portadores do amor são o afeto familiar, o civismo e a fé positiva. Nestas considerações deve-se entender o significado de um outro lema positivista, inscrito no frontispício de seus templos e resumindo na bandeira brasileira: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim” (Id. p. 130).

Um outro conceito é o de ordem e progresso. O progresso, particularmente o da sociedade, não se dá no caos. Ele deve ser conduzido de forma organizada para garantir a civilização, pois esta somente se dá na harmonia entre existência e movimento. Na idéia de progresso está implícita uma vocação dinâmica e conservadora ao mesmo tempo, daí o papel da ordem. Cabe a ordem o papel de vigilância da vida social para que o progresso possa ocorrer sem sobressaltos. Para tanto, a crítica deve ser moderada e qualquer rebelião sufocada pela força. O papel do governo é o de reprimir, para garantir a subordinação. Os anseios individuais devem ser controlados para o bem da Humanidade.

Um quarto conceito é o de hierarquia. “Dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos pelos fortes. Nenhuma sociedade pode perdurar se os inferiores não respeitarem os superiores” (Ibid. p. 224). Esta passagem do Catecismo revela a visão conservadora da vida social e política. Ao contrário da visão marxista, Comte considerava a existência de classes sociais, a divisão do trabalho e a dependência cidade-campo fundamentos indispensáveis para o bem-estar social. A ascendência de uma classe sobre a outra surge naturalmente. Os agricultores dependem dos fabricantes, os fabricantes dos comerciantes, os comerciantes dos banqueiros, e assim por diante, até chegar aos sacerdotes e governantes.

Para comandar o Estado devem ser escolhidos os mais capazes, os grandes industriais que, orientados pelo sacerdotes e auxiliados pelos artistas e operários, conduzirão a sociedade para o bem-estar. O voto universal é perigoso, pois carrega um “perfume” anarquista, por isso, o melhor modelo político é o de República Sociocrática, onde os governantes vêm das elites e são garantidos pelas elites. Da mesma forma como o industrial escolhe o gerente para a sua fábrica, o governante deve escolher o seu sucessor. A monarquia é abominável, pois nem sempre garante o poder ao mais capacitado.

Segundo Comte, tais conclusões sobre a vida política não estão baseadas em delírios utópicos, mas na observação científica dos eventos históricos. Toda sociedade que desprezou a hierarquia, permitindo o anarquismo, muitas vezes por culpa de seus déspotas, encontrou a própria ruína. A sociedade que preserva o senso de obediência aos superiores, sem que sejam polemizadas as suas decisões – sábias, pois orientadas pelos sacerdotes-sábios – está no caminho do progresso e do respeito mútuo.

A classificação das ciências

Comte estabeleceu uma classificação das ciências a partir dos seguintes critérios:

  1. A ordem cronológica de seu aparecimento;
  2. A complexidade crescente de cada uma das ciências;
  3. A sua generalidade decrescente;
  4. A dependência mútua.

“Como resultado dessa discussão, a filosofia positiva se encontra, pois, naturalmente dividida em cinco ciências fundamentais, cuja sucessão é determinada pela subordinação necessária e invariável, fundada, independente de toda opinião hipotética, na simples comparação aprofundada dos fenômenos correspondentes: a astronomia, a física, a química e, enfim, a física social.” (Curso de filosofia positiva)

A física social, ou sociologia, por ser a mais complexa, a menos geral e a mais recente historicamente, é a última das ciências na classificação comtiana. A sua proposta não foi apenas criar uma ciência dos fenômenos sociais, mas estabelecer uma base racional e científica para uma reforma intelectual e moral da sociedade pela instauração do espírito positivo na organização das estruturas sociais e políticas. Dessa forma, a sociologia é a mais importante das ciências, não só porque constitui o resumo e o coroamento das demais que a precedem, mas porque significa o ponto de partida da moral, da política e da religião. Moral, política e religião positivas. Ela compreende duas partes: a) a estática social, que estuda a harmonia prevalecente entre as diversas condições da existência e estabelece a ordem social; b) a dinâmica social, que investiga o desenvolvimento ordenado da sociedade (estuda a lei dos três estados) e estabelece as leis do progresso.

O positivismo no Brasil

Como é sabido, ao longo dos quase três séculos e meio de dependência política de Portugal, a atividade intelectual no Brasil foi incipiente e a especificamente filosófica quase nula. De um certo modo, até mesmo a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, contribuiu para a quase erradicação da tênue atividade filosófica de então, já que a Companhia de Jesus era um dos poucos ambientes onde ela era cultuada.

A situação de quase ausência da atividade filosófica perdurou até meados do século XIX, quando ocorreu um fenômeno que Cruz Costa chamou de “um bando de idéias novas” (Cruz Costa, Contribuição à história das idéias no Brasil, p. 98). Dentre todas as escolas, a que mais teve sucesso foi, sem dúvida, o positivismo. Pereira Barreto, um de seus principais divulgadores, reconheceu que a tarefa foi facilitada pelo despreparo do clero católico em opôr-se à novidade, além de as escolas oferecerem um conjunto de facilidades para a tal (a obsolescência dos métodos de ensino de filosofia, centrados do Genuense, uma espécie de manual oficial para o ensino da filosofia, de cunho aristotélico-tomista e, por muitos, considerado ultrapassado).

Contudo, qual foi efetivamente a razão de uma tão fácil difusão das idéias positivistas no Brasil? Duas são as razões mais importantes para tal: a primeira, foi a facilitação por parte dos positivistas de acesso ao conhecimento científico mais avançado de então (matemática, medicina, engenharia etc). a segunda e a principal, segundo Cruz Costa, foi o anseio das elites brasileiras em entrar em sintonia com o mundo capitalista de então (op. cit. P. 124). Entendia-se que, para tanto, era também necessário embeber-se das suas idéias filosóficas e políticas mais significativas. Certamente, as idéias positivistas estavam entre elas, na medida em que representavam a clara reação do capitalismo diante dos ideais socialistas, do monarquismo, do clericalismo e do “feudalismo” dos latifundiários.

Os avatares dessas idéias foram, sobretudo, os estudantes das Faculdades de Direito do país, oriundos das classes economicamente emergentes (filhos de comerciantes ou burocratas). Além das faculdades, também as escolas técnicas, particularmente a Central e a Militar, foram focos de divulgação do positivismo. não de estranhar, portanto, que elas também proliferassem entre os militares, para onde acorriam os alunos menos abastados. Estes se tornaram ardentes defensores da idéia de que a burguesia deve participar do comando político da nação, substituindo o monarca e os latifundiários.

Neste clima, Benjamim Constant, professor de matemática da Escola Militar do Rio de Janeiro, contribuiu para a formação da geração de militares que participou diretamente da queda da monarquia e da proclamação da República, inspirada nos ideais comtianos.

Com a implantação da República, em cuja bandeira esta resumido o principal lema comtiano (Amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim), houve uma grande proliferação das idéias positivistas. Nas reformas da Educação, da Constituição na relação entre Estado e Igreja ou nos projetos políticos partidários notam-se ecos do positivismo. além do mais, a tradição conservadora e autoritária encontrou na doutrina positivista um respaldo ideológico adequado. Isto também ao longo do século XX; o getulismo e o militarismo (Doutrina da Escola Superior de Guerra), que predominaram durante grande parte de nosso século, são seus herdeiros mais visíveis.

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