quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Textos para estudo ( O que é a filosofia?)

FILOSOFIA

Sempre nos perguntamos para que serve a filosofia? Mas antes de procurarmos responder a essa questão, deveríamos nos perguntar que tipo de conhecimento é a filosofia? Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a filosofia é um tipo de conhecimento bem distinto de muitos outros conhecimentos. Só para citar um exemplo, os mitos eram tidos como verdades absolutas e não podiam ser questionados. Porém a filosofia vai de encontro ao modo de conhecimento mítico. Nesse sentido, podemos começar dizendo que ela se distingue dos demais já na sua definição.

Para quem não se lembra, ela é formada por duas palavras gregas philos e sofós que querem dizer amor, amizade e sabedoria, respectivamente. Daí, podemos tirar que a filosofia é um amor à sabedoria ou uma amizade pela sabedoria. O filósofo é aquele que simpatiza com a sabedoria e vai ao seu encontro. Guardemos essa informação. Mas o que significa dizer que o filósofo está sempre buscando a sabedoria? Devemos então descobrir o que é essa sabedoria. Para tanto, temos que dizer, em primeiro lugar, que há uma diferença entre sabedoria e saber.

Saber significa a posse de algum conhecimento e isso se dá através da colocação de perguntas e respostas. Quando encontramos soluções para os problemas propostos, encontramos o saber sobre aquilo que foi nossa investigação. A sabedoria é diferente. Ela requer que tenhamos um espírito indagador, ou seja, que sejamos capazes de criar problemas, de criar perguntas e não necessariamente encontrar as respostas para elas. O espírito indagador que a filosofia requer não nos garante encontrar as respostas para todas as coisas, para todos os problemas que levantamos. Com isso, já podemos dizer que ela é um conhecimento especulativo da realidade e de todas as coisas. Na nossa comparação, falamos que os mitos eram verdadeiros, mas não dissemos que uma de suas funções era explicar como surgem as coisas, por exemplo, inclusive as coisas da realidade. A filosofia não se preocupa em ter as respostas, mas busca sempre encontrá-las. Ela pensa sobre todas as coisas e rompe com a sabedoria mítica ao indagar sobre o que é a realidade, ao buscar o conhecimento do mundo em sua natureza última, por exemplo. Cabe aqui uma importante diferença entre o sábio e o filósofo: o sábio era aquele que detinha o saber e o filósofo, como pudemos entender, é aquele que busca a sabedoria.

A filosofia nos indica caminhos a percorrer para que cheguemos a uma solução. Ao contrário dos mitos e de outras formas de conhecimento, ela não nos dá respostas prontas e acabadas. Talvez resida aí o fato de ela ser considerada uma disciplina difícil. Mas se pensarmos bem reside aí também o fato de ela ter o poder fazer com que, nós do senso comum, enxerguemos as coisas de um novo modo: com ela, temos um olhar muito mais crítico de tudo o que se encontra a nossa volta. Com essa visão mais crítica, tendemos à libertação das amarras ideológicas que nos são impostas, pois ela possibilita um livre pensar sobre todas as coisas. Mas é importante destacar que não podemos sair por aí levantando problemas sem nenhum embasamento. Nesse sentido, ela se torna um conhecimento fundamentado sobre todas as coisas.

Agora entendemos porque a filosofia é um amor pela sabedoria, porque a sabedoria não nos deixa com apenas uma visão das coisas, mas nos dá uma visão ampla e, muitas vezes, crítica da realidade. Mas é preciso mais do que palavras para entendermos a filosofia, é preciso fazer filosofia para que tenhamos uma melhor compreensão do que ela seja. Nesse sentido, podemos perguntar: como, então, fazer filosofia? A resposta vem com uma idéia de Platão onde a primeira virtude do filósofo seria a admiração. Para ele, através da admiração é que podemos chegar à filosofia e ao filosofar.

Vemos aqui que Platão instaura uma atitude filosófica. Para se filosofar, segundo Platão, temos que ter a atitude de nos admirarmos com alguma coisa. A palavra grega para essa admiração é thauma e ela que nos abre à capacidade de problematizar. Há um filósofo alemão do século XVIII chamado Kant que diz que não se pode aprender filosofia, só se pode aprender a filosofar. Vemos nas palavras de Kant o que acabamos de dizer: para se aprender filosofia, devemos aprender a filosofar e aprender a filosofar significa ter uma série de atitudes, dentre elas a admiração por algo. Ela é instituinte, na medida em que questiona o que já está instituído.

Nesse sentido, vemos que a filosofia não está longe de nós, mas bem mais perto do que imaginávamos. Ela se preocupa com coisas do nosso cotidiano que para pessoas do senso comum são abstrações. As questões filosóficas são muito concretas, porém não conseguimos enxergá-las por estarmos presos aos padrões já estabelecidos.

Com todas essas informações acerca da filosofia, podemos agora nos perguntar: qual será o processo que nos levará ao filosofar? Bem, devemos primeiro entender que filosofia se difere de filosofia de vida. Todos nós temos indagações diárias sobre quaisquer coisas que costumamos fazer. Todavia essas indagações não são propriamente filosóficas porque é um "filosofar" espontâneo do homem do senso comum. Quando esse homem tem o bom senso em escolher deliberadamente e com certa organização sobre dúvidas advindas de problemas comuns do cotidiano é que podemos dizer que ele está fazendo sua filosofia de vida. Entretanto o filósofo é um especialista e não pensa somente em questões como morar em casa ou apartamento, cujo interesse atinge a qualquer um.

O livro Para filosofar: introdução e história da filosofia do professor da Universidade Gama Filho Severo Hryniewicz coloca uma metáfora para falar da especificidade da filosofia que nos cabe. Ele diz que há "montanhas" ou "regiões" do conhecimento onde habitam pessoas e essas pessoas, uma vez ou outra, trocam visitas, mas que cada uma habita sua montanha. Isso quer dizer que cada especialista é especialista na sua área e que, vez ou outra, conversam entre si, trazendo certa interação entre os saberes. Sabendo que cada região do saber tem suas especificidades, vejamos então quais são as da filosofia.

A filosofia, propriamente dita, surge no momento em que o pensar é posto como objeto, ou seja, quando o pensar em coisas comuns passa a ser uma reflexão sobre o próprio pensamento fundante das indagações do cotidiano. Refletir significa retomar ao próprio pensamento, voltarmos para nós mesmos e colocarmos em questão aquilo que já conhecemos. Esse é o primeiro passo para se filosofar e, "segundo o professor Dermeval Saviani, a reflexão filosófica é radical, rigorosa e de conjunto". Vejamos o que seria isso.

  • Radical: a palavra radical, para nós, significa "fundamento, base". No sentido corriqueiro, ela quer dizer que algo é intransigente. Na filosofia, a usamos como sendo o fundamento, pois ela busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos do pensar e do agir;
  • Rigorosa: o filósofo deve dispor de um método para fundamentar sua filosofia e esse método deve ser claramente explicitado, para que ele possa agir com rigor, garantindo coerência e o exercício da crítica. Ele precisa dessa especificidade porque tudo que ele diz deve ser muito bem fundamentado por argumentos;
  • De conjunto: isso significa dizer que a filosofia é globalizante. As ciências usam recortes da realidade para dizer suas verdades; já a filosofia busca examinar os problemas de modo a relacionar os diversos aspectos da ação humana, que nunca são separados entre si. As ciências são particulares, no sentido de que elas se utilizam dos recortes. Nesse sentido, podemos dizer que a filosofia busca o todo, a totalidade.

Assim, vimos que a filosofia não é só mais uma disciplina que temos que estudar, mas que ela pode ser muito útil para que possamos entender as diversas relações existentes no mundo e na natureza, pois o objeto de estudo da filosofia não é como o objeto de estudo das ciências. As ciências têm vários objetos de estudo, mas se ocupam apenas com os seus: a química se ocupa com os processos químicos, a biologia se ocupa com processos biológicos e assim por diante, enquanto que à filosofia nada escapa.

Escrito pelo aluno: Vinícius

Textos para estudo ( Racionalismo e Empirismo)

RACIONALISMO E EMPIRISMO

Racionalismo cartesiano:

No século XVII, o racionalismo pode ser definido como a doutrina que, por oposição ao ceticismo, atribui à Razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a verdade; por oposição ao empirismo, considera a Razão como independente da experiência sensível, posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens; contrariamente ao misticismo, rejeita toda e qualquer intervenção dos sentidos e das emoções, pois, no domínio do conhecimento, a única autoridade é a da razão.

René Descartes:

Nasceu na França, de família nobre. Aos oito anos, órfão de mãe, é enviado para o Colégio Real da la Flèche, em Paris, onde se revela um aluno brilhante. Termina o secundário em 1612, contente com seus mestres, mas descontente consigo mesmo, pois não havia descoberto a Verdade que tanto procurava nos livros. Decide procurá-la no mundo. Viaja muito. Em 1618, alista-se nas tropas holandesas de Maurício de Nassau. Nesse momento, sob a influencia de Beckmann, entra em contato com a nova física copernicana. Em seguida, alista-se nas tropas do imperador da Baviera e luta na Guerra dos Trinta Anos. Para receber a herança da mãe, retorna a Paris, onde freqüenta os meios intelectuais. Aconselhado pelo cardeal Bérulle, dedica-se ao estudo da Filosofia, com o objetivo de conciliar a nova ciência com as verdades do cristianismo. Para evitar problemas com a Inquisição, vai para a Holanda em 1629. Dedica-se ao estudo da matemática e da Física. A partir de 1637, retoma seus estudos de filosofia. Escreve muitos livros e inúmeras cartas. São famosas as cartas filosóficas à princesa Elisabeth (Alemanha) e à rainha Cristina da Suécia. Convidado pela rainha Cristina, vai passar uns tempos em Estocolmo. Não suportando o rigor do inverno, aí morre de pneumonia um ano depois (1650).

Descartes deixou uma vasta obra. Seus livros mais acessíveis são O discurso sobre o método e As meditações metafísicas. Todos os seus livros foram proibidos – colocados no Index – pela igreja em 1662, apesar de não representarem tanto perigo e tanta subversão quanto os de Galileu. Suas frases mais conhecidas e discutidas são:

¾ “Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica...”

¾ “O bom senso é o que existe de mais bem dividido no mundo.”

¾ “Jamais devemos receber alguma coisa como verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal.”

¾ “A proposição Penso, logo existo é a primeira e a mais certa que se apresenta àquele que conduz seus pensamentos com ordem.”

A França do início do século XVII vive uma época de instabilidade e de perturbações políticas e sociais. É o início do reinado agitado de Luís XIV, período de grandes e profundas incertezas intelectuais. A nova física de Galileu põe radicalmente em questão a concepção aristotélica do cosmo e desafia a autoridade da igreja. A Reforma havia provocado uma profunda divisão entre católicos e protestantes. Muitos são os partidários do ceticismo de Montaigne. Poucos são os defensores da religião. Seus representantes oficiais limitam-se a condenar os partidários da nova ciência. A condenação de Galileu pelo Santo Ofício, em 1633, amedronta cientistas e filósofos. Descartes, ao mesmo tempo homem de ciência e crente sincero, tenta mostrar que não há incompatibilidade entre as verdades da ciência e as verdades da fé cristã. Para tanto, edifica as bases novas de sua filosofia.

O método cartesiano:

Descartes critica aquilo que aprendeu na escola. Porque não repousava em fundamentos ou princípios sólidos. Pelo contrário, limitava-se a propor conhecimentos apenas verossímeis, quer dizer, só aparentemente verdadeiros: não forneciam nenhuma certeza. Portanto, para se fundar na certeza, o conhecimento deve começar pela busca de princípios absolutamente seguros.

Para Aristóteles, o homem é animal político (zoôn politikon). E a razão é a faculdade que todo homem possui de julgar. Para Descartes, ele é, essencialmente, um animal racional. No início de seu Discurso sobre o método, ele afirma a igualdade, de direito, do bom senso ou razão: todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem julgar e de discernir o verdadeiro do falso. Nem todos os homens, porém, utilizam corretamente sua razão. Donde a necessidade de um método, quer dizer, de um caminho certo, seguro.

O objetivo e utilidade do método consistem, para o homem, em “conduzir bem sua razão” e em “procurar a verdade nas ciências”. Se queremos procurar a verdade, não podemos andar ao acaso, sem rumo. Devemos seguir o caminho reto, seguro, certo; seguir uma ordem, quer dizer, um método. O bom método é aquele que nos permite conhecer o maior número possível de coisas. E isso com o menor número de regras. Primeiro procedimento da pesquisa é a análise: devemos “dividir cada uma das dificuldades”, quer dizer, reduzir um problema complexo em noções simples. E isso para que elas possam ser conhecidas diretamente por intuição.

Para Descartes, a intuição é um conhecimento direto e imediato. É ela que nos permite aceitar uma coisa como verdadeira. É a visão da evidência. Uma idéia evidente é uma idéia clara e distinta. Uma idéia é clara quando se impõe a nós em sua verdade imediata, sem que possamos dela duvidar. Uma idéia é distinta quando não podemos confundi-la com nenhuma outra. Contudo, além da intuição, precisamos ainda do raciocínio discursivo, precisamos da dedução, ou seja, de uma demonstração capaz de chegar a uma conclusão certa a partir de um conjunto de proposições que se encadeiam necessariamente uma às outras obedecendo uma ordem: cada proposição deve estar ligada àquela que a precede a àquela que a ela se segue.

As verdades primeiras:

Descartes afirma que devemos rejeitar como falso tudo aquilo do qual não podemos duvidar. Só devemos aceitar as coisas indubitáveis. Mas não devemos duvidar por duvidar, como os céticos, que não acreditam na possibilidade de o conhecimento humano atingir a verdade. O objetivo da dúvida cartesiana é encontrar uma primeira verdade impondo-se com absoluta certeza. Trata-se de uma dúvida metódica, voluntária, provisória e sistemática. Não atingiremos a verdade se antes, não pusermos todas as coisas em dúvida. São falsas todas as coisas das quais não podemos duvidar. Por isso, Descartes rejeita os dados dos sentidos: por vezes eles se enganam; rejeita também os raciocínios: por vezes nos induzem a erros. Assim, após duvidar de tudo, descobre a primeira certeza: o “Cogito, ergo sum” – “Penso, logo existo.”

Depois de esclarecer que ele existe, Descartes se pergunta: quem sou eu? Identifica o eu à alma, e a alma ao pensamento. Estabelece o primado do espírito, fazendo dele algo inteiramente distinto do corpo. É a tese do dualismo: a alma é uma substancia completamente distinta do corpo.

A segunda verdade descoberta por Descartes é a existência de Deus. A primeira verdade dizia: eu penso. Mas não eu não sou só. O exame de minhas idéias leva-me a afirmar a existência de Deus. É Deus quem garante as verdades matemáticas, permitindo-nos, por suas aplicações práticas, agir sobre o mundo: fica assegurada, também, a existência do mundo, campo da atividade do homem. Descartes prova a existência de Deus com um argumento ontológico (do grego to on, ontos: ser): por definição, o ser perfeito é aquele que possui todas as perfeições; ora, a existência é uma perfeição; logo, o ser perfeito existe.

Quanto ao mundo material, sobre o qual versa nosso conhecimento, é despojado de toda realidade própria. A natureza não possui profundidade nem finalidade. Ela é criada a cada instante por Deus. Enquanto tal, é oferecida ao conhecimento e à atividade técnica do homem. Não existe barreira entre a física, a astronomia, a matéria e a linguagem matemática. O animal é um autômata. O corpo se explica pelo mecanismo. Se deus existe, não pode se enganar, porque é perfeito. Portanto, minhas percepções não constituem ficções: elas vêm dos objetos do mundo exterior. Contudo, estou ligado a um corpo. Por isso, o conhecimento que tenho do mundo exterior é confuso, posto que vem dos sentidos: vejo sua cor, sua forma, seu volume, qualidades que não constituem sal essência. Ora, as coisas materiais ocupam sempre um espaço. Portanto, sua essência é a extensão.

A conclusão de Descartes é que possuímos três tipos de idéias: a) as idéias que nós mesmos formamos a partir do mundo exterior; b) as idéias factícias, isto é, feitas e inventadas pela imaginação; c) as idéias inatas que nos são dadas por deus. Essas idéias claras e distintas constituem os elementos necessários ao conhecimento das leis da natureza, também criados por Deus. Elas formam o fundamento da ciência. Podemos conhece-las voltando-nos sobre nós mesmos, quer dizer, por reflexão. O chamado “idealismo metódico” de Descartes nada mais é que a doutrina racionalista, contrária ao empirismo, que parte da certeza da existência do pensamento a fim de afirmar a existência de qualquer outra realidade e de estabelecer sua garantia pela veracidade divina.

O EMPIRISMO INGLÊS

O empirismo é, juntamente com o racionalismo, uma das grandes correntes formadoras da filosofia moderna (séculos XVI-XIX). Enquanto que o racionalismo de Descartes explicava o conhecimento humano a partir da existência do indivíduo de idéias inatas que se originavam em última análise em deus, os empiristas pretenderam dar uma explicação do conhecimento a partir da experiência, eliminando assim a noção de idéia inata, considerada obscura e problemática. Para os empiristas, todo o nosso conhecimento provém de nossa percepção do mundo externo, ou do exame da atividade de nossa própria mente.

Os principais filósofos empiristas clássicos foram Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O empirismo desenvolveu-se, inicialmente, sobretudo na Inglaterra, podendo ser considerado como pensamento representativo da burguesia inglesa que, a partir do século XVII, passou a deter não só o poder econômico, mas também político, através da monarquia parlamentar, fato que marca o nascimento do liberalismo. Essa nova ordem política surge da aliança entre a burguesia e a nobreza contra a monarquia absoluta. O interesse pelo mundo da experiência concreta e uma filosofia política baseada na teoria do contrato social e na submissão à lei da maioria são características dessa visão.

É significativo que a maioria dos filósofos empiristas tenha ocupado posição de destaque na sociedade inglesa da época. Bacon, visconde de St. Albans, foi chanceler do reino. Hobbes e Locke foram conselheiros de políticos e nobres influentes; George Berkeley foi bispo da Igreja Anglicana, e David Hume, após tentar em vão a carreira acadêmica, exerceu funções na diplomacia e se tornou historiador.

O desenvolvimento da ciência na Inglaterra, com William Gilbert (1540-1603, física do magnetismo), William Harvey (1578-1657, circulação do sangue), Robert Boyle (1627-1691, física e química) e principalmente Isaac Newton (1642-1727, leis da mecânica), está intimamente ligado às concepções empiristas de método científico.

O conhecimento e a origem das idéias:

Desde Bacon, o empirismo caracteriza-se pela defesa de uma ciência baseada em um método experimental, valorizando a observação e a aplicação prática da ciência. As leis científicas seriam fundamentalmente resultado de generalizações com base na observação da repetição de fenômenos com características constantes. A esse procedimento chama-se indução, sendo uma lógica indutiva a base da concepção empirista de ciência.

Essa concepção parte de uma teoria do conhecimento que explica a origem das idéias a partir de um processo de abstração que se inicia com a percepção que temos das coisas através de nossos sentidos. “Nada está no intelecto que não tenha estado antes nos sentido” _ eis uns dos lemas do empirismo. É a partir dos dados de nossa sensibilidade que o entendimento produz, por um processo de abstração, as idéias. As idéias simples, provenientes das impressões sensíveis, dão origem, através do processo de associação e combinação, a idéias mais complexas. Quanto mais próxima da impressão sensível que a causou, mais real – nítida e precisa – é a idéia; quanto mais distante, menos real. É nesse sentido que a verificação empírica é um dos critérios básicos da validade do conhecimento. O conhecimento é, portanto, sempre probabilístico, dependendo sua certeza das verificações a serem feitas e do acordo entre as experiências dos indivíduos. A concepção empirista é assim fortemente individualista, já que a experiência é sempre individual.

“Todas as idéias provêm da sensação ou da reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer idéias. Como vem a ser preenchida? Como lhe vem esse vasto estoque que a ativa e ilimitada fantasia humana pintou nela com a variedade quase infinita? Como lhe vem todo o material da razão e do conhecimento? A isso respondo com uma palavra: pala experiência. É na experiência que está baseada todo o nosso conhecimento, e é dela que, em última análise, o conhecimento é derivado. Aplicada tanto aos objetivos sensíveis externos quanto às operações internas de nossa mente, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação sempre supre nosso entendimento com todo o material do pensamento. Essas são as duas fontes de nosso conhecimento, das quais jorram todas as idéias que temos ou que podemos naturalmente ter.

(John Locke, Ensaio sobre o entendimento humano, Livro II, cap.1)

O problema da causalidade:

Partindo dessa concepção da origem das idéias e do conhecimento, Hume, o mais radical dos empiristas, chegará a negar validade universal ao princípio de causalidade e à noção de necessidade a ela associada. A causalidade não seria, assim, uma propriedade do real, mas simplesmente o resultado de nossa forma habitual de perceber fenômenos, relacionando-os como causa e efeito, a partir de sua repetição constante.

“60. ... se há alguma relação entre objetos que nos importa conhecer perfeitamente é a de causa e efeito. Sobre ela se fundamentam todos os nossos raciocínios sobre questões de fato e de existência. ... A única utilidade imediata de todas as ciências é nos ensinar a regular e controlar os eventos futuros através das causas. Nossos pensamentos e nossas investigações sempre se dirigem a essa relação. Contudo, tão imperfeitas são as idéias que formamos a esse respeito que é impossível dar uma definição correta de causa; exceto o que tiramos do que lhe é estranho e exterior. Objetos semelhantes sempre se encontram em conexão com objetos semelhantes. Disso temos experiência. De acordo com essa experiência, podemos definir uma causa como um objeto seguido de outro de tal forma que todos os objetos semelhantes ao primeiros são seguidos de objetos semelhantes ao segundo. Ou, em outros termos, tal que, se o primeiro objeto não existisse, o segundo também não existiria. O aparecimento de uma causa sempre traz a mente, por uma transição costumeira, a idéia de efeito. Disso também temos experiência. Podemos, assim, conforme essa experiência, formular uma outra definição de causa que chamaríamos de um objeto seguido de outro, e cuja aparição sempre conduz o pensamento à idéia desse outro objeto. ... Ouso assim afirmar como uma proposição geral que não admite exceção que o conhecimento dessa relação não se obtém em nenhum caso pelo raciocínio a priori (antes da experiência), mas que ela nasce inteiramente da experiência quando descobrimos que objetos particulares estão em conjunção uns com os outros.”

(David Hume, Investigação sobre o entendimento humano, séc. VII)

BIBLIOGRAFIA:

Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação / Antonio Rezende (organizador). – 13. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Textos para estudo ( Positivismo)

POSITIVISMO

AUGUSTE COMTE (1798-1857)

Vida e obras – Augusto Comte nasceu em Montpellier (França), numa família pequeno burguesa, muito católica e monarquista. Estudou na Escola politécnica de Paris, demonstrando grande talento para a matemática. Entre 1818 e 1824, foi aluno e secretário particular de Saint Simon, cuja influência se fez ressentir em seu sistema. Convencido de que a religião deve ser superada para a instauração de uma nova sociedade, centrada exclusivamente no saber científico, afastou-se de Saint Simon. Em 1825, casou-se e, a seguir, deu início ao famoso curso de filosofia positiva. Logo depois, entrou em crise de depressão e crise nervosa. Em 1829, retomou o curso que lhe granjeou fama e muitos discípulos. Em 1830, publicou o primeiro volume de sua obra principal Curso de Filosofia Positiva. Os cinco volumes posteriores foram publicados ao longo da década de 30. Essa fase do pensamento comtiano é conhecida como fase científica. Em 1844, ano em que se separou definitivamente de sua esposa e se apaixonou por Clotilde de Vaux, teve início a fase mística ou religiosa. Dois anos depois, Clotilde faleceu e Comte transformou-a no símbolo da nova humanidade e sacerdotisa da religião positiva. As obras principais desta fase são: Discurso sobre o espírito positivo (1844); Discurso sobre o conjunto do positivismo (1848); Catecismo positivista (1852); Sistema de política positiva 1851-54); Apelo aos conservadores (1855) e Sistema de lógica positiva (1855), primeiro volume de um projeto (A síntese subjetiva) que não concluiu.

Papel da Filosofia

Herdeiro do Iluminismo, reagindo ao criticismo kantiano, ao idealismo de Hegel e ao ideário socialista, o positivismo representou o apogeu da aliança entre filosofia e a ciência.

No entanto, ao se falar de positivismo como vertente filosófica, é preciso estar atento a diversos aspectos que tornaram um movimento sui generis no contexto da história da filosofia. O motivo mais importante desta peculiaridade talvez seja o de retirar a filosofia o seu aspecto crítico. A reação contra a filosofia kantiana reside sobretudo na aversão de Comte à função crítica da filosofia. Ele julgava ser insensata a idéia de a razão avaliar a si mesma, investigando os limites de seus próprios recursos, como fez Kant. No dizer de Jacques Maritain “Comte foi o primeiro desses filósofos – cuja espécie se tornou corrente – que filosofam com tanto mais arrogância quanto mais expulsam a filosofia dos seus próprios domínios” (Maritain, J. A filosofia moral, p. 291).

Se a filosofia deve ser acrítica, qual seria, então, o seu papel? Segundo o positivismo, a filosofia não tem objetivo próprio, não possui domínios delimitados; ela é uma espécie de guardiã das ciências, tendo como tarefa organizar suas conquistas e mediar os resultados de suas aplicações práticas ao meio social. Em Comte, a filosofia é uma espécie de “porteira e guarda-mor do Museu da Ciência” (Maritain, J. id. p. 291).

Esta visão da filosofia é conseqüência natural de um sistema que recusa a validade da metafísica. Sem metafísica, torna-se difícil atribuir a razão a capacidade de discutir os limites do conhecimento humano (exercício da crítica) ou, é óbvio, fazer questionamentos sobre o sentido último das coisas.

O próprio Comte se considerava mais sociólogo do que filósofo. O sociólogo, segundo ele, é também filósofo, na medida em que possui uma visão de conjunto do progresso da humanidade, classificando as ciências e orientando o seu avanço no sentido das necessidades da Humanidade.

Por tudo isso, muitos historiadores costumam se referir ao positivismo mais como um “estado de espírito” do que, propriamente, como uma vertente de pensamento filosófico. Tal estado de espírito se caracteriza pela confiança inabalável no progresso irreversível da humanidade e nos benefícios incontáveis da ciência.

A Teoria dos Três Estados

A tese central do positivismo comtiano é o do progresso universal. O progresso do qual tanto fala, não é só o progresso decorrente da evolução no campo biológico. É uma lei que envolve também a esfera humana. No entanto, diversamente do que ocorre no âmbito biológico, o progresso humano depende de um esforço do qual devem participar sociedades inteiras e a humanidade como um todo. Além disso é uma conquista a ser atingida num contexto totalmente natural, sem nenhum tipo de Providência ou Espírito Absoluto se realizando na história. Por isso, é uma conquista que resulta do dramático sofrimento humano, ao longo de lutas seculares. É nesta luta que as sociedades mais progressistas acabam por se afirmar, pois, também aí, vale a lei da seleção natural.

Comte teve a intuição – da qual se vangloriava – de que a humanidade passa por três etapas ou estados. Estes estados são incompatíveis entre si, devendo, portanto, suplantar-se um ao outro. Segundo afirma no Curso de filosofia positiva, a cada estado corresponde um tipo de mentalidade e de conhecimento. Os três estados são: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato e estado positivo ou científico.

O estado teológico é marcado pela incapacidade do homem de conseguir explicações científicas para os fenômenos; o espírito humano trata-os como misteriosos e, por isso, procura-lhes uma explicação transcendente, nas divindades ou em forças ocultas de qualquer espécie. Neste estado, a imaginação se sobrepõe a razão, inventando um ser Absoluto, do qual retira explicações para todas as coisas e de quem espera soluções dos problemas. Comte também se referia a esse estado como o da infância da humanidade. O cristianismo representou o seu auge, conquanto sintetizou as diversas divindades numa única, comandando seus seguidores por meio de decretos (dogmas).

O estado metafísico resultou do aperfeiçoamento do primeiro. Neste estado as divindades foram sendo substituídas por entidades ou conceitos abstratos, como os de substancia, essência, alam, etc., que fogem a qualquer verificação experimental. Ainda que sustentada por uma lógica mais avançada, a imaginação continuou predominando sobre a razão. No entanto, a explicação dada aos fenômenos tendeu a imanência, ou seja, aos poucos foi se afastando de Deus. O panteísmo inerente ao idealismo hegeliano representou o seu apogeu. Foi importante para tornar possível a superação definitiva do estado teológico. Por privilegiar a abstração o estado metafísico corresponde à juventude da humanidade.

O estado positivo revela a maturidade da humanidade por vários motivos. Primeiro, porque submete a imaginação à verdadeira observação que, de acordo com as necessidades efetivas da humanidade, se atém rigorosamente aos fatos. Também porque o espírito humano não se preocupa mais com as explicações das causas primeiras e última de todas as coisas, dedicando-se invariavelmente àquelas questões para as quais as respostas são possíveis. E, ainda, por reconhecer que o único conhecimento incontestável é o das leis naturais, válidas em qualquer lugar. Diferente dos dogmas religiosos ou das abstrações, que sempre variaram de momento para momento ou de povo para povo.

O absoluto não importa mais. Somente o que é relativo ao mundo natural faz parte dos interesses do homem revestido do espírito positivo: “em uma palavra, a Humanidade substitui definitivamente a Deus, sem esquecer jamais os seus serviços” (Comte, Catecismo positivismo, p. 302).

Alguns conceitos positivistas

O primeiro conceito é o de positivo. Para o positivismo, positivo significa o certo, em oposição ao dúbio; ao preciso, em oposição ao vago; o real, em oposição ao abstrato; o útil, em oposição ao sem aplicação; o relativo, em oposição ao absoluto. Neste conceito, esta implícita a idéia de que nunca se deve considerar nada como dogma definitivo, a não ser as leis invariáveis da natureza: a verdade é uma conquista gradual da humanidade. Observa-se aí o casamento do positivismo com o paradigma newtoniano. Também está presente a idéia de que o conhecimento deve estar voltado para a sua aplicação prática, visando ao bem da humanidade. por meio do método positivo, que acessa o real, assegura-se a manipulação do real. Daí um dos mais famosos lemas positivistas: “Conhecer para prever; prever para prover”.

Um outro conceito, ainda, é o de amor a humanidade. Este conceito foi desenvolvido por Comte, sobretudo em sua fase mística (1844 em diante). A humanidade é o Grande Ser, o pólo centralizador de toda atividade individual e o principio condutor de toda a história e de toda a sociedade. O amor a ela é a exigência fundamental da moral positiva. Mais que um sentimento genérico, o amor se manifesta pelo afeto ao seio da Família, pelo respeito à Pátria e pela observação dos ritos da Religião Positiva. Os seus núcleos correspondentes são a mulher (família); os governantes (pátria) e os sacerdotes (religião). Os sentimentos portadores do amor são o afeto familiar, o civismo e a fé positiva. Nestas considerações deve-se entender o significado de um outro lema positivista, inscrito no frontispício de seus templos e resumindo na bandeira brasileira: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim” (Id. p. 130).

Um outro conceito é o de ordem e progresso. O progresso, particularmente o da sociedade, não se dá no caos. Ele deve ser conduzido de forma organizada para garantir a civilização, pois esta somente se dá na harmonia entre existência e movimento. Na idéia de progresso está implícita uma vocação dinâmica e conservadora ao mesmo tempo, daí o papel da ordem. Cabe a ordem o papel de vigilância da vida social para que o progresso possa ocorrer sem sobressaltos. Para tanto, a crítica deve ser moderada e qualquer rebelião sufocada pela força. O papel do governo é o de reprimir, para garantir a subordinação. Os anseios individuais devem ser controlados para o bem da Humanidade.

Um quarto conceito é o de hierarquia. “Dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos pelos fortes. Nenhuma sociedade pode perdurar se os inferiores não respeitarem os superiores” (Ibid. p. 224). Esta passagem do Catecismo revela a visão conservadora da vida social e política. Ao contrário da visão marxista, Comte considerava a existência de classes sociais, a divisão do trabalho e a dependência cidade-campo fundamentos indispensáveis para o bem-estar social. A ascendência de uma classe sobre a outra surge naturalmente. Os agricultores dependem dos fabricantes, os fabricantes dos comerciantes, os comerciantes dos banqueiros, e assim por diante, até chegar aos sacerdotes e governantes.

Para comandar o Estado devem ser escolhidos os mais capazes, os grandes industriais que, orientados pelo sacerdotes e auxiliados pelos artistas e operários, conduzirão a sociedade para o bem-estar. O voto universal é perigoso, pois carrega um “perfume” anarquista, por isso, o melhor modelo político é o de República Sociocrática, onde os governantes vêm das elites e são garantidos pelas elites. Da mesma forma como o industrial escolhe o gerente para a sua fábrica, o governante deve escolher o seu sucessor. A monarquia é abominável, pois nem sempre garante o poder ao mais capacitado.

Segundo Comte, tais conclusões sobre a vida política não estão baseadas em delírios utópicos, mas na observação científica dos eventos históricos. Toda sociedade que desprezou a hierarquia, permitindo o anarquismo, muitas vezes por culpa de seus déspotas, encontrou a própria ruína. A sociedade que preserva o senso de obediência aos superiores, sem que sejam polemizadas as suas decisões – sábias, pois orientadas pelos sacerdotes-sábios – está no caminho do progresso e do respeito mútuo.

A classificação das ciências

Comte estabeleceu uma classificação das ciências a partir dos seguintes critérios:

  1. A ordem cronológica de seu aparecimento;
  2. A complexidade crescente de cada uma das ciências;
  3. A sua generalidade decrescente;
  4. A dependência mútua.

“Como resultado dessa discussão, a filosofia positiva se encontra, pois, naturalmente dividida em cinco ciências fundamentais, cuja sucessão é determinada pela subordinação necessária e invariável, fundada, independente de toda opinião hipotética, na simples comparação aprofundada dos fenômenos correspondentes: a astronomia, a física, a química e, enfim, a física social.” (Curso de filosofia positiva)

A física social, ou sociologia, por ser a mais complexa, a menos geral e a mais recente historicamente, é a última das ciências na classificação comtiana. A sua proposta não foi apenas criar uma ciência dos fenômenos sociais, mas estabelecer uma base racional e científica para uma reforma intelectual e moral da sociedade pela instauração do espírito positivo na organização das estruturas sociais e políticas. Dessa forma, a sociologia é a mais importante das ciências, não só porque constitui o resumo e o coroamento das demais que a precedem, mas porque significa o ponto de partida da moral, da política e da religião. Moral, política e religião positivas. Ela compreende duas partes: a) a estática social, que estuda a harmonia prevalecente entre as diversas condições da existência e estabelece a ordem social; b) a dinâmica social, que investiga o desenvolvimento ordenado da sociedade (estuda a lei dos três estados) e estabelece as leis do progresso.

O positivismo no Brasil

Como é sabido, ao longo dos quase três séculos e meio de dependência política de Portugal, a atividade intelectual no Brasil foi incipiente e a especificamente filosófica quase nula. De um certo modo, até mesmo a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, contribuiu para a quase erradicação da tênue atividade filosófica de então, já que a Companhia de Jesus era um dos poucos ambientes onde ela era cultuada.

A situação de quase ausência da atividade filosófica perdurou até meados do século XIX, quando ocorreu um fenômeno que Cruz Costa chamou de “um bando de idéias novas” (Cruz Costa, Contribuição à história das idéias no Brasil, p. 98). Dentre todas as escolas, a que mais teve sucesso foi, sem dúvida, o positivismo. Pereira Barreto, um de seus principais divulgadores, reconheceu que a tarefa foi facilitada pelo despreparo do clero católico em opôr-se à novidade, além de as escolas oferecerem um conjunto de facilidades para a tal (a obsolescência dos métodos de ensino de filosofia, centrados do Genuense, uma espécie de manual oficial para o ensino da filosofia, de cunho aristotélico-tomista e, por muitos, considerado ultrapassado).

Contudo, qual foi efetivamente a razão de uma tão fácil difusão das idéias positivistas no Brasil? Duas são as razões mais importantes para tal: a primeira, foi a facilitação por parte dos positivistas de acesso ao conhecimento científico mais avançado de então (matemática, medicina, engenharia etc). a segunda e a principal, segundo Cruz Costa, foi o anseio das elites brasileiras em entrar em sintonia com o mundo capitalista de então (op. cit. P. 124). Entendia-se que, para tanto, era também necessário embeber-se das suas idéias filosóficas e políticas mais significativas. Certamente, as idéias positivistas estavam entre elas, na medida em que representavam a clara reação do capitalismo diante dos ideais socialistas, do monarquismo, do clericalismo e do “feudalismo” dos latifundiários.

Os avatares dessas idéias foram, sobretudo, os estudantes das Faculdades de Direito do país, oriundos das classes economicamente emergentes (filhos de comerciantes ou burocratas). Além das faculdades, também as escolas técnicas, particularmente a Central e a Militar, foram focos de divulgação do positivismo. não de estranhar, portanto, que elas também proliferassem entre os militares, para onde acorriam os alunos menos abastados. Estes se tornaram ardentes defensores da idéia de que a burguesia deve participar do comando político da nação, substituindo o monarca e os latifundiários.

Neste clima, Benjamim Constant, professor de matemática da Escola Militar do Rio de Janeiro, contribuiu para a formação da geração de militares que participou diretamente da queda da monarquia e da proclamação da República, inspirada nos ideais comtianos.

Com a implantação da República, em cuja bandeira esta resumido o principal lema comtiano (Amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim), houve uma grande proliferação das idéias positivistas. Nas reformas da Educação, da Constituição na relação entre Estado e Igreja ou nos projetos políticos partidários notam-se ecos do positivismo. além do mais, a tradição conservadora e autoritária encontrou na doutrina positivista um respaldo ideológico adequado. Isto também ao longo do século XX; o getulismo e o militarismo (Doutrina da Escola Superior de Guerra), que predominaram durante grande parte de nosso século, são seus herdeiros mais visíveis.