quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Textos para estudo ( Racionalismo e Empirismo)

RACIONALISMO E EMPIRISMO

Racionalismo cartesiano:

No século XVII, o racionalismo pode ser definido como a doutrina que, por oposição ao ceticismo, atribui à Razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a verdade; por oposição ao empirismo, considera a Razão como independente da experiência sensível, posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens; contrariamente ao misticismo, rejeita toda e qualquer intervenção dos sentidos e das emoções, pois, no domínio do conhecimento, a única autoridade é a da razão.

René Descartes:

Nasceu na França, de família nobre. Aos oito anos, órfão de mãe, é enviado para o Colégio Real da la Flèche, em Paris, onde se revela um aluno brilhante. Termina o secundário em 1612, contente com seus mestres, mas descontente consigo mesmo, pois não havia descoberto a Verdade que tanto procurava nos livros. Decide procurá-la no mundo. Viaja muito. Em 1618, alista-se nas tropas holandesas de Maurício de Nassau. Nesse momento, sob a influencia de Beckmann, entra em contato com a nova física copernicana. Em seguida, alista-se nas tropas do imperador da Baviera e luta na Guerra dos Trinta Anos. Para receber a herança da mãe, retorna a Paris, onde freqüenta os meios intelectuais. Aconselhado pelo cardeal Bérulle, dedica-se ao estudo da Filosofia, com o objetivo de conciliar a nova ciência com as verdades do cristianismo. Para evitar problemas com a Inquisição, vai para a Holanda em 1629. Dedica-se ao estudo da matemática e da Física. A partir de 1637, retoma seus estudos de filosofia. Escreve muitos livros e inúmeras cartas. São famosas as cartas filosóficas à princesa Elisabeth (Alemanha) e à rainha Cristina da Suécia. Convidado pela rainha Cristina, vai passar uns tempos em Estocolmo. Não suportando o rigor do inverno, aí morre de pneumonia um ano depois (1650).

Descartes deixou uma vasta obra. Seus livros mais acessíveis são O discurso sobre o método e As meditações metafísicas. Todos os seus livros foram proibidos – colocados no Index – pela igreja em 1662, apesar de não representarem tanto perigo e tanta subversão quanto os de Galileu. Suas frases mais conhecidas e discutidas são:

¾ “Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica...”

¾ “O bom senso é o que existe de mais bem dividido no mundo.”

¾ “Jamais devemos receber alguma coisa como verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal.”

¾ “A proposição Penso, logo existo é a primeira e a mais certa que se apresenta àquele que conduz seus pensamentos com ordem.”

A França do início do século XVII vive uma época de instabilidade e de perturbações políticas e sociais. É o início do reinado agitado de Luís XIV, período de grandes e profundas incertezas intelectuais. A nova física de Galileu põe radicalmente em questão a concepção aristotélica do cosmo e desafia a autoridade da igreja. A Reforma havia provocado uma profunda divisão entre católicos e protestantes. Muitos são os partidários do ceticismo de Montaigne. Poucos são os defensores da religião. Seus representantes oficiais limitam-se a condenar os partidários da nova ciência. A condenação de Galileu pelo Santo Ofício, em 1633, amedronta cientistas e filósofos. Descartes, ao mesmo tempo homem de ciência e crente sincero, tenta mostrar que não há incompatibilidade entre as verdades da ciência e as verdades da fé cristã. Para tanto, edifica as bases novas de sua filosofia.

O método cartesiano:

Descartes critica aquilo que aprendeu na escola. Porque não repousava em fundamentos ou princípios sólidos. Pelo contrário, limitava-se a propor conhecimentos apenas verossímeis, quer dizer, só aparentemente verdadeiros: não forneciam nenhuma certeza. Portanto, para se fundar na certeza, o conhecimento deve começar pela busca de princípios absolutamente seguros.

Para Aristóteles, o homem é animal político (zoôn politikon). E a razão é a faculdade que todo homem possui de julgar. Para Descartes, ele é, essencialmente, um animal racional. No início de seu Discurso sobre o método, ele afirma a igualdade, de direito, do bom senso ou razão: todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem julgar e de discernir o verdadeiro do falso. Nem todos os homens, porém, utilizam corretamente sua razão. Donde a necessidade de um método, quer dizer, de um caminho certo, seguro.

O objetivo e utilidade do método consistem, para o homem, em “conduzir bem sua razão” e em “procurar a verdade nas ciências”. Se queremos procurar a verdade, não podemos andar ao acaso, sem rumo. Devemos seguir o caminho reto, seguro, certo; seguir uma ordem, quer dizer, um método. O bom método é aquele que nos permite conhecer o maior número possível de coisas. E isso com o menor número de regras. Primeiro procedimento da pesquisa é a análise: devemos “dividir cada uma das dificuldades”, quer dizer, reduzir um problema complexo em noções simples. E isso para que elas possam ser conhecidas diretamente por intuição.

Para Descartes, a intuição é um conhecimento direto e imediato. É ela que nos permite aceitar uma coisa como verdadeira. É a visão da evidência. Uma idéia evidente é uma idéia clara e distinta. Uma idéia é clara quando se impõe a nós em sua verdade imediata, sem que possamos dela duvidar. Uma idéia é distinta quando não podemos confundi-la com nenhuma outra. Contudo, além da intuição, precisamos ainda do raciocínio discursivo, precisamos da dedução, ou seja, de uma demonstração capaz de chegar a uma conclusão certa a partir de um conjunto de proposições que se encadeiam necessariamente uma às outras obedecendo uma ordem: cada proposição deve estar ligada àquela que a precede a àquela que a ela se segue.

As verdades primeiras:

Descartes afirma que devemos rejeitar como falso tudo aquilo do qual não podemos duvidar. Só devemos aceitar as coisas indubitáveis. Mas não devemos duvidar por duvidar, como os céticos, que não acreditam na possibilidade de o conhecimento humano atingir a verdade. O objetivo da dúvida cartesiana é encontrar uma primeira verdade impondo-se com absoluta certeza. Trata-se de uma dúvida metódica, voluntária, provisória e sistemática. Não atingiremos a verdade se antes, não pusermos todas as coisas em dúvida. São falsas todas as coisas das quais não podemos duvidar. Por isso, Descartes rejeita os dados dos sentidos: por vezes eles se enganam; rejeita também os raciocínios: por vezes nos induzem a erros. Assim, após duvidar de tudo, descobre a primeira certeza: o “Cogito, ergo sum” – “Penso, logo existo.”

Depois de esclarecer que ele existe, Descartes se pergunta: quem sou eu? Identifica o eu à alma, e a alma ao pensamento. Estabelece o primado do espírito, fazendo dele algo inteiramente distinto do corpo. É a tese do dualismo: a alma é uma substancia completamente distinta do corpo.

A segunda verdade descoberta por Descartes é a existência de Deus. A primeira verdade dizia: eu penso. Mas não eu não sou só. O exame de minhas idéias leva-me a afirmar a existência de Deus. É Deus quem garante as verdades matemáticas, permitindo-nos, por suas aplicações práticas, agir sobre o mundo: fica assegurada, também, a existência do mundo, campo da atividade do homem. Descartes prova a existência de Deus com um argumento ontológico (do grego to on, ontos: ser): por definição, o ser perfeito é aquele que possui todas as perfeições; ora, a existência é uma perfeição; logo, o ser perfeito existe.

Quanto ao mundo material, sobre o qual versa nosso conhecimento, é despojado de toda realidade própria. A natureza não possui profundidade nem finalidade. Ela é criada a cada instante por Deus. Enquanto tal, é oferecida ao conhecimento e à atividade técnica do homem. Não existe barreira entre a física, a astronomia, a matéria e a linguagem matemática. O animal é um autômata. O corpo se explica pelo mecanismo. Se deus existe, não pode se enganar, porque é perfeito. Portanto, minhas percepções não constituem ficções: elas vêm dos objetos do mundo exterior. Contudo, estou ligado a um corpo. Por isso, o conhecimento que tenho do mundo exterior é confuso, posto que vem dos sentidos: vejo sua cor, sua forma, seu volume, qualidades que não constituem sal essência. Ora, as coisas materiais ocupam sempre um espaço. Portanto, sua essência é a extensão.

A conclusão de Descartes é que possuímos três tipos de idéias: a) as idéias que nós mesmos formamos a partir do mundo exterior; b) as idéias factícias, isto é, feitas e inventadas pela imaginação; c) as idéias inatas que nos são dadas por deus. Essas idéias claras e distintas constituem os elementos necessários ao conhecimento das leis da natureza, também criados por Deus. Elas formam o fundamento da ciência. Podemos conhece-las voltando-nos sobre nós mesmos, quer dizer, por reflexão. O chamado “idealismo metódico” de Descartes nada mais é que a doutrina racionalista, contrária ao empirismo, que parte da certeza da existência do pensamento a fim de afirmar a existência de qualquer outra realidade e de estabelecer sua garantia pela veracidade divina.

O EMPIRISMO INGLÊS

O empirismo é, juntamente com o racionalismo, uma das grandes correntes formadoras da filosofia moderna (séculos XVI-XIX). Enquanto que o racionalismo de Descartes explicava o conhecimento humano a partir da existência do indivíduo de idéias inatas que se originavam em última análise em deus, os empiristas pretenderam dar uma explicação do conhecimento a partir da experiência, eliminando assim a noção de idéia inata, considerada obscura e problemática. Para os empiristas, todo o nosso conhecimento provém de nossa percepção do mundo externo, ou do exame da atividade de nossa própria mente.

Os principais filósofos empiristas clássicos foram Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O empirismo desenvolveu-se, inicialmente, sobretudo na Inglaterra, podendo ser considerado como pensamento representativo da burguesia inglesa que, a partir do século XVII, passou a deter não só o poder econômico, mas também político, através da monarquia parlamentar, fato que marca o nascimento do liberalismo. Essa nova ordem política surge da aliança entre a burguesia e a nobreza contra a monarquia absoluta. O interesse pelo mundo da experiência concreta e uma filosofia política baseada na teoria do contrato social e na submissão à lei da maioria são características dessa visão.

É significativo que a maioria dos filósofos empiristas tenha ocupado posição de destaque na sociedade inglesa da época. Bacon, visconde de St. Albans, foi chanceler do reino. Hobbes e Locke foram conselheiros de políticos e nobres influentes; George Berkeley foi bispo da Igreja Anglicana, e David Hume, após tentar em vão a carreira acadêmica, exerceu funções na diplomacia e se tornou historiador.

O desenvolvimento da ciência na Inglaterra, com William Gilbert (1540-1603, física do magnetismo), William Harvey (1578-1657, circulação do sangue), Robert Boyle (1627-1691, física e química) e principalmente Isaac Newton (1642-1727, leis da mecânica), está intimamente ligado às concepções empiristas de método científico.

O conhecimento e a origem das idéias:

Desde Bacon, o empirismo caracteriza-se pela defesa de uma ciência baseada em um método experimental, valorizando a observação e a aplicação prática da ciência. As leis científicas seriam fundamentalmente resultado de generalizações com base na observação da repetição de fenômenos com características constantes. A esse procedimento chama-se indução, sendo uma lógica indutiva a base da concepção empirista de ciência.

Essa concepção parte de uma teoria do conhecimento que explica a origem das idéias a partir de um processo de abstração que se inicia com a percepção que temos das coisas através de nossos sentidos. “Nada está no intelecto que não tenha estado antes nos sentido” _ eis uns dos lemas do empirismo. É a partir dos dados de nossa sensibilidade que o entendimento produz, por um processo de abstração, as idéias. As idéias simples, provenientes das impressões sensíveis, dão origem, através do processo de associação e combinação, a idéias mais complexas. Quanto mais próxima da impressão sensível que a causou, mais real – nítida e precisa – é a idéia; quanto mais distante, menos real. É nesse sentido que a verificação empírica é um dos critérios básicos da validade do conhecimento. O conhecimento é, portanto, sempre probabilístico, dependendo sua certeza das verificações a serem feitas e do acordo entre as experiências dos indivíduos. A concepção empirista é assim fortemente individualista, já que a experiência é sempre individual.

“Todas as idéias provêm da sensação ou da reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer idéias. Como vem a ser preenchida? Como lhe vem esse vasto estoque que a ativa e ilimitada fantasia humana pintou nela com a variedade quase infinita? Como lhe vem todo o material da razão e do conhecimento? A isso respondo com uma palavra: pala experiência. É na experiência que está baseada todo o nosso conhecimento, e é dela que, em última análise, o conhecimento é derivado. Aplicada tanto aos objetivos sensíveis externos quanto às operações internas de nossa mente, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação sempre supre nosso entendimento com todo o material do pensamento. Essas são as duas fontes de nosso conhecimento, das quais jorram todas as idéias que temos ou que podemos naturalmente ter.

(John Locke, Ensaio sobre o entendimento humano, Livro II, cap.1)

O problema da causalidade:

Partindo dessa concepção da origem das idéias e do conhecimento, Hume, o mais radical dos empiristas, chegará a negar validade universal ao princípio de causalidade e à noção de necessidade a ela associada. A causalidade não seria, assim, uma propriedade do real, mas simplesmente o resultado de nossa forma habitual de perceber fenômenos, relacionando-os como causa e efeito, a partir de sua repetição constante.

“60. ... se há alguma relação entre objetos que nos importa conhecer perfeitamente é a de causa e efeito. Sobre ela se fundamentam todos os nossos raciocínios sobre questões de fato e de existência. ... A única utilidade imediata de todas as ciências é nos ensinar a regular e controlar os eventos futuros através das causas. Nossos pensamentos e nossas investigações sempre se dirigem a essa relação. Contudo, tão imperfeitas são as idéias que formamos a esse respeito que é impossível dar uma definição correta de causa; exceto o que tiramos do que lhe é estranho e exterior. Objetos semelhantes sempre se encontram em conexão com objetos semelhantes. Disso temos experiência. De acordo com essa experiência, podemos definir uma causa como um objeto seguido de outro de tal forma que todos os objetos semelhantes ao primeiros são seguidos de objetos semelhantes ao segundo. Ou, em outros termos, tal que, se o primeiro objeto não existisse, o segundo também não existiria. O aparecimento de uma causa sempre traz a mente, por uma transição costumeira, a idéia de efeito. Disso também temos experiência. Podemos, assim, conforme essa experiência, formular uma outra definição de causa que chamaríamos de um objeto seguido de outro, e cuja aparição sempre conduz o pensamento à idéia desse outro objeto. ... Ouso assim afirmar como uma proposição geral que não admite exceção que o conhecimento dessa relação não se obtém em nenhum caso pelo raciocínio a priori (antes da experiência), mas que ela nasce inteiramente da experiência quando descobrimos que objetos particulares estão em conjunção uns com os outros.”

(David Hume, Investigação sobre o entendimento humano, séc. VII)

BIBLIOGRAFIA:

Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação / Antonio Rezende (organizador). – 13. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário